quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Sobre medo (de novo, eu acho)

 Acho que no final das contas é medo mesmo, sabe? Da pra fugir disso? Eu não sei, tô a tanto tempo sentindo medo ultimamente. Ainda bem que não são aqueles meados aterradores, esses ainda estão aqui e muito menores, da pra gerenciar, mas eu sinto medo sim de me relacionar, eu não sei bem porque. Eu sinto esse nó no estômago esquisito, penso em coisas que já foram e nas dificuldades que são os pontos finais, pras pessoas e pra mim também...

Penso na minha dor, no que me machucou e nas cicatrizes que ficaram. Nas minhas faltas. Em quem eu não sou. E sinto essa aversão e fecho qualquer porta, passo a me preocupar com "não dar esperanças" e coisas assim. Esperanças de que? Não é como se eu buscasse coisas casuais de qualquer modo... Eu sei o que eu quero, sinto desejo as vezes, mas sinto medo também. E no fundo eu acho que é bem mais isso, e eu fico arrumando justificativas, mas minhas fugas são apenas o velho medo das navalhas na carne de sempre.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 Deitado no sofá velho, um pouco angustiado pela solidão do silêncio sepulcral. A gata repousava serena aos meus pés, enquanto a minha mente tortuosa insistia com questões cujo as respostas eram apenas retóricas. O frio trouxe a memória da noite chuvosa no bar. Havia decidido que precisava ver gente, as vezes o estar só machucava e essa era uma dessas (ultimamente raras) ocasiões. Ia sorver o som das conversas alheias e murmúrios para me sentir menos humano. Mas aquele lugar a meia luz, embalado na cacofonia do jazz misturado às vozes animadas dos jovens apenas fez com que eu me sentisse mais sozinho. Em algum momento entre uma bicada no café frio ou ao fim de um parágrafo do artigo que lia a avistei no balcão, com um olhar de devaneio nas garrafas expostas. Ela vestia algo formal que assumi ser a norma de onde quer que ela trabalhasse, nada que parecesse extravagante ou de grife, mas a forma a qual ela o usava lhe conferia uma aura de superioridade muito particular. Achei aquilo interessante e de bicada e parágrafo notei que a minha mente havia se desprendido das páginas e estava focada no exercício de imaginar qual seria seu nome e foi quando me ocorreu, a chamaria apenas de musa. Ela estava só, com o copo meio vazio, como quem fazia hora para voltar pra casa pela preguiça de se despedir de mais um dia para encontrar apenas outro amanhã. Distraída, rabiscou qualquer coisa no balcão com o lápis que tinha às mãos de quando escrevia algo em um papel (Formulários? Documentos?). Algo nela parecia ressoar em mim de maneira peculiar, acreditando que nós poderíamos ter em comum coisa a qual não podia supor do que se tratava. Talvez a musa estivesse perdida, e fosse o caminho de casa que eu tentava encontrar. De repente nossos olhares se encontraram. Logo desviei o meu de maneira evasiva, como que por reflexo do meu embaraço. Tentei me concentrar no que lia, mas fracassei. Vi o garçom usar um pano para apagar a marca que a musa havia deixado, e algo em mim sabia que o que havia sido apagado era um verso. É, era poesia sim. Ela olhou para um cinzeiro e pareceu se dar conta de algo, pagou, pegou seu guarda chuva preto e correu acenando na direção de um ônibus cujo letreiro trazia no nome do seu destino algumas letras queimadas. Sem qualquer misericórdia ele não a esperou. Ainda acompanhei com os olhos enquanto ela andava protegida da tormenta por baixo da marquise, talvez procurasse um táxi e logo desapareceu. Paguei a conta e fui andando para casa. Aquele ambiente me deprime.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

 Acho que preciso morrer, não para recomeçar, isso não existe, além do que a ideia de "recomeçar" me parece muito trabalhosa, gosto do que construí. Mas acho que tentar remontar as peças na forma de antes já não faça mais sentido. Preciso me matar, me destruir, pois a situação tem sido insustentável, esse meu eu já não pode mais permanecer e nem faz sentido sua sobrevivência, foi por ele e com ele que eu me desconheci, em todos os dobramentos e generosidades e favores eu esqueci o que eu gosto de fazer para além do ser apreciado. Eu não preciso mudar meus caminhos, o sentido das minhas caminhadas, ou mesmo no que acredito, mas preciso matar esse eu acostumado a corresponder e a servir, e só assim encontrarei de novo coisas que me façam sentido, e só assim o mundo voltará a ter sabor novamente.


Eu me sinto tão idiota e inseguro e carente e ansioso e tudo ao mesmo tempo. É difícil entender e separar o que a gente sente de fato daquilo que são tão somente ilusões fantasmagóricas ou castelos de cartas que tombam à menor brisa. Mas era o que eu queria, não era? Ou foi nessa ilusão de invulnerabilidade que eu também quis acreditar. Agora ando cabisbaixo, olhando letras antigas e pensando que sou de fato um idiota, com saudades e lastimando aquilo que só existia na minha imaginação. Me sentindo rejeitado por algo que eu nem sabia se era o que eu queria. O que eu quero?


Me sinto como um gato cinzento e velho, quase sem dentes, tentando encontrar o caminho de casa em meio a uma cacofania caótica que se tornou nossa existência. Não a minha em particular, eu sigo numa tranquilidade estranha, meio moribunda, parecida com a certeza da indiferença. Lá fora uma tempestade varre as ruas, gotas de chuva frias como estacas de gelo, o vento assobia furioso em alguma frestra de telhado. Do alto da minha torre, abrigado, eu observo o caos enquanto limpo meus pelos obsessivamente.

quarta-feira, 23 de março de 2022

 Tudo fora do lugar, esse amalgama de sensações desagradáveis, a tremedeira, as dores, mas a pior parte são sempre meus pensamentos. Mas estou tentando por tudo no lugar outra vez, me prego castigos, me privo de alimento e depois me repreendo pelo gasto. A sensação é a de que não há saída, fico com esse gosto amargo em todo o corpo e me conheço, sei bem o que estou fazendo e me acho ridículo. Onde isso ficava mesmo? Eu não me lembro muito bem, por que é tão difícil sair de casa? Em qual gaveta eu guardava essas fios? Não teria para onde ir também, eu sigo no meu naufrágio particular, retornando ao local que eu realmente pertenço, para o fundo do lago. Porque tenho tantas tomadas? Até que eu não precise mais respirar.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Na minha torre de ébano, numa penumbra costumeira, a treva me engole e nada mais desejo ou ouço. A doença se apropria de cada um dos meus pensamentos maculando o que sinto com um fétido aroma de insuficiência, fracasso e solidão. Vou me perdendo entre os quartos escuros da minha mente, sem qualquer luz me parecem exatamente iguais, tateio em busca de um objeto qualquer que possa me segurar, mas em vão vou escorregando sem escapatória pela inclinação insana dos meus pensamentos sinuosos , minhas memórias subvertidas pela minha condição se confundem com devaneios cruéis em palavras de acústica rude, presunções terríveis que me afogam na minha lama (alma). Já não enxergo mais nada, estou sentado em um canto sem sentir qualquer coisa que não seja um terror atroz que faz tudo girar e minhas pernas perderem as forças.

De repente escuto sua voz.

Não é a voz de quem eu queria ouvir, quanto a isso não há dúvidas, mas esta também me é familiar, num timbre grave consonante com algo na minha alma (lama). Não é a melodia que eu roguei para que me salvasse, me esqueci de ti, e mesmo com todo o desprezo que te reservei lá está você, num sorriso asqueroso, que mais parece um esgar malévolo, tu me estendes a mão, e eu rio de mim também pensando no quanto fui tolo de esquecer-me de ti, e rimos  juntos, feito dois lunáticos, enquanto dançamos com passos que só aqueles que foram iniciados são capazes de entender e a sombra já não me parece tão densa, a treva não pinica mais, começo a distinguir nuances onde até então só existia o negrume. Estou mais calmo e um pouco menos infeliz. Você faz sua reverência costumeira, exatamente como na primeira vez, e eu me despeço e adormeço me sentindo grato pelo seu resgate, sua voz e sua companhia.