quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Quarteto

Esses dias, eu e o coração fizemos as pazes.
Ele ainda está brigado com o cérebro - 
mas parece apaixonado pela alma.

Meu cérebro olha para os dois desconsolado. Não entende de onde vem tanta loucura, tanto querer, tanto irraciocínio.

Quer dizer, entende. Sabe. Lembra.

Mas discorda. Acha ridículo. Desperdício. Loucura.

O coração sabe que é louco - nasceu assim, cresceu assim, e vai ser assim até parar de pulsar.

A alma é de poeta. Brega, dramática, adolescente.

Os dois andavam brigados. Não se suportavem, porque viam em um e no outro mais verdade que gostariam de ver.

E, de uns dias pra cá, resolveram olharem-se novamente. E se apaixonaram.

Dizem por aí que o nome disso é felicidade, alegria, êxtase.

O cérebro chama de bobagem e de ilusão passageira. Tem ciúme dos sorrisos secretos da alma e dos escândalos do coração.

O que ele não sabe, e eu já descobri, é que ele tem é medo. De juntar-se aos dois e esquecer-se. Esquecer a razão.

Porque ele mesmo sabe que quando o corpo resolve juntar-se aos dois, é um deus nos acuda. Deixam o cérebro trancafiado em um porão escuro. “NÃO SAI DAÍ”, grita a turma de adolescentes bêbados. 

Todos drogados. O coração embebido de paixão grita, esperneia, faz teatro, atira-se de janelas, passeia de asa-delta. A alma abstêm-se de palavras: bebe suspiros, afunda em sorrisos, rola em tapetes de olhares profundos e esquece a própria identidade. E o corpo desanda a rir dos dois - move-se com graça, torpor, ardor. Brilhando, carrega cada um em um ombro e passeia por cada degrau de prazer em devaneios, como um personagem shakespeareano de um sonho de uma noite de verão. 

Um dia - disse a alma - vou chamar o cérebro pra essa festa. Vou convidá-lo a analisar nossas personalidades, cuidar melhor do corpo, guardar a alma com mais paciência.

Que bolo esses três vão misturar juntos?

Não faço a menor ideia.

Mas a impaciência dos jovens está quase me obrigando a pagar pra ver.