quarta-feira, 23 de abril de 2014

Quando eu era muito pequeno, minha mãe conta, e isso já faz muito tempo, minha saúde era muito frágil, de um bebê esguio, doente e empalidecido. Toda moléstia me acometia, toda gripe era um drama e toda dor amplificada. Quando eu era muito pequeno, minha mãe dizia, ela mal podia me sentir em seus braços, não pesava, tinha um aspecto aéreo, apesar de saber que eu estava lá, a qualquer momento não estaria. Ela sabia. Quando eu era praticamente nada, minha mãe contava, que numa temporada fria, meu corpo contraiu uma inflamação severa, eu não lembro, mas minha mãe lembrava de como eu sofria, ela sentia, que a vida ao pesado passar de  cada hora se esvaia e que eu me desmanchava como aqueles que vieram antes de mim. Numa noite, agreste, uma febre terrível me abateu até o limite, antes mesmo de sair de casa já era tudo tarde, minha mãe chorava, o hospital era apenas desespero, já haviam se esgotado quaisquer momentos, não haviam mais formas. Deixei a casa cadáver, tolhido de todos os sentidos, de batidas no coração ou qualquer respiro, não havia mais tempo. Eu só me lembro de um toque delicado, um suave sibilar a perturbar meus sentidos, rosto alvo, pele fria, e o toque mais sutil que qualquer ser humano talvez possa sentir um dia. Não me lembro das palavras, mas era um olhar terno, semelhante ao da minha jovem mãe. Eu me lembro de um clarear e um despertar ainda mais negro. Não havia mais destino, rumo ou passos, apenas um grande abismo, nunca houve fala ou morte, nunca houve fim, nunca houve sentido. Em queda livre, solto, à minha obliteração intangível.