sábado, 20 de abril de 2019

Dividir.

É curioso pensar a solidão, sobretudo depois de tanto tempo "acompanhado", ou ainda as solidões, que, por uma perspectiva, trazem algumas potências. É um pouco triste não ter com quem falar, ou se sentir inseguro para falar daquilo que aflige, ou mesmo ter que segurar por uma semana algo que depois não faz mais sentido. A medida do tempo que diminui, conforme este passa, vai tornando-o um recurso mais raro, mais caro, menos contingentes, mais cartográficas. Vamos medindo os espaços de adequação, o que se pode e o que não se pode, quais são as regras, que máscara colocamos, que aspectos vestimos: Despojado ou formal? Bermuda ou calça? Vou porque tenho ou vou porque quero? Todas as relações obedecem a isto no final das contas, e nenhuma regra tradicional as burla.

Temos amigos mais próximos, que suportam nossas dores, nos estendem uma mão, duas, as vezes até os pés nos momentos em que a solidão aperta de forma atroz, mas eles não podem estar sempre lá, também têm suas vidas, suas relações incontingentes, ou mesmo contextos em que se há mais o que dizer. No final das contas, relações fixas me importam na medida que se pode dividir coisas com alguém, desnudar-se, não parecer, apenas mostrar as fendas, trincas, os sorrisos tortos, a melancolia, de maneira completa. Essas relações que se tornam muito seguras na maior parte do tempo permitem pouco espaço para além das máscaras, ou pouca atenção aos detalhes, e acho que me agradam as minúcias, os diabos que habitam nos pormenores e entregam verdades que não podem ser ditas, apenas sentidas, mas são deliciosamente cruéis e mordazes. Sentir dor ainda é melhor do que a apatia.

Dividir o pouco que se tem de si, do pouco que se sente, das perturbações, do gozo, das tranquilidades, o que se vê apenas na lupa ou pela lente do microscópio. Soa como uma obsessão, mas não é, essas trocas são naturais, tranquilas, seguem um próprio ritmo, um compasso de encontro e desencontro, quiçá até o momento que já não interesse mais encontrar. Tudo bem, eu me entrego, desisto e visto as máscaras, não há porque nadar contra a corrente, não é? Ainda tenho momentos que posso me desnudar um pouco mais, daquilo que me aflige e daquilo que desejo. Talvez tenha de fato tempo demais nas mãos, talvez tenha de fato sensações demais para dar conta e talvez de fato tudo me seja intenso e real demais e eu não saiba lidar com outras medidas. Talvez nós possamos dividir essas pequenas palavras, e aqui ainda seja um espaço onde possamos nos despir e revelar o vergonhoso vácuo sufocante do nosso eu.