terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Valsa de sons brancos

Às vinte três horas e nove minutos, os conflitos e as pessoas desaparecem,  se tornam levianos demais, já não importa. Ninguém importa. Valsa-se sozinho como nunca para sabe lá deus onde. Um buraco? Um abismo? A janela do décimo andar com as redes cortadas? Pouco importa, segue-se na trilha do marasmo pelo cansaço, assim está muito bom. Não há mais nada que possa ser feito por outrem, só por mim. Eu, que fui sempre titânico, quase um colosso quebrado, sigo confuso, sem vontade, pé ante pé, em busca... De que? Dois para cá, dois para cá, dois para cá, dois para cá.

A neblina da relação entre tarde quente e a noite fria tem um som peculiar que já não ouço direito. Do rochedo fita a tempestade marinha enquanto sussurra e se pergunta "de que importa...?", engraçado que eu não saiba mais a resposta. Não sei mais a resposta. As palavras se amalgamam nesses tons de cinza, meio inexplicáveis e complexos, de onde se tentam interpretar pinceladas de maneira inútil, pois a torrente me invade e não posso evitá-la, só me deixo levar e sofro.

Me animam os pequenos combates, as glórias caladas que não faço questão de me valer, as conquistas íntimas. Não gosto de comando, de me vangloriar, não faz meu estilo, deixe isso às risíveis figuras dos generais, prefiro agir calado, não dar notícia de mim, pois não sou o poder da dominação, nem mesmo vanguarda dominada, minha força é coisa sutil, teimosa, de não se deixar levar pela maré dos ordinários, de me reconhecer e ainda assim manter em alguma medida os pés no chão. Os silfos sopram as condições, e eu os escuto atento, escolho as demandas que fazem sentido, as outras têm seus próprios heróis,  me encantam as pequenas batalhas. Do meu jeito e à minha vontade o mundo se dobra, até que me canse e tudo perca o sentido. Não me perder de vista na tormenta é ainda meu triunfo favorito.