segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 Deitado no sofá velho, um pouco angustiado pela solidão do silêncio sepulcral. A gata repousava serena aos meus pés, enquanto a minha mente tortuosa insistia com questões cujo as respostas eram apenas retóricas. O frio trouxe a memória da noite chuvosa no bar. Havia decidido que precisava ver gente, as vezes o estar só machucava e essa era uma dessas (ultimamente raras) ocasiões. Ia sorver o som das conversas alheias e murmúrios para me sentir menos humano. Mas aquele lugar a meia luz, embalado na cacofonia do jazz misturado às vozes animadas dos jovens apenas fez com que eu me sentisse mais sozinho. Em algum momento entre uma bicada no café frio ou ao fim de um parágrafo do artigo que lia a avistei no balcão, com um olhar de devaneio nas garrafas expostas. Ela vestia algo formal que assumi ser a norma de onde quer que ela trabalhasse, nada que parecesse extravagante ou de grife, mas a forma a qual ela o usava lhe conferia uma aura de superioridade muito particular. Achei aquilo interessante e de bicada e parágrafo notei que a minha mente havia se desprendido das páginas e estava focada no exercício de imaginar qual seria seu nome e foi quando me ocorreu, a chamaria apenas de musa. Ela estava só, com o copo meio vazio, como quem fazia hora para voltar pra casa pela preguiça de se despedir de mais um dia para encontrar apenas outro amanhã. Distraída, rabiscou qualquer coisa no balcão com o lápis que tinha às mãos de quando escrevia algo em um papel (Formulários? Documentos?). Algo nela parecia ressoar em mim de maneira peculiar, acreditando que nós poderíamos ter em comum coisa a qual não podia supor do que se tratava. Talvez a musa estivesse perdida, e fosse o caminho de casa que eu tentava encontrar. De repente nossos olhares se encontraram. Logo desviei o meu de maneira evasiva, como que por reflexo do meu embaraço. Tentei me concentrar no que lia, mas fracassei. Vi o garçom usar um pano para apagar a marca que a musa havia deixado, e algo em mim sabia que o que havia sido apagado era um verso. É, era poesia sim. Ela olhou para um cinzeiro e pareceu se dar conta de algo, pagou, pegou seu guarda chuva preto e correu acenando na direção de um ônibus cujo letreiro trazia no nome do seu destino algumas letras queimadas. Sem qualquer misericórdia ele não a esperou. Ainda acompanhei com os olhos enquanto ela andava protegida da tormenta por baixo da marquise, talvez procurasse um táxi e logo desapareceu. Paguei a conta e fui andando para casa. Aquele ambiente me deprime.

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